domingo, 22 de março de 2009

pOntO de visTa


Gata Trufa Preta. Apesar de ser filha de um gato salvo de morrer no lixo junto com os irmãos, ela possui casa, boa comida e cama confortável, vacinas e tratamento de saúde. Não ganha salário para se sustentar, mas tem uma dona que a alimenta em troca de companhia, fidelidade e gracinhas.

Do cão acima nada se sabe, apenas que uma noite dessas rondava um bar da Av. Getúlio Vargas em busca de comida. Não tinha dono, nem salário, mas sobrava simpatia e charme: uma orelha em pé e a outra caída, profundos olhos verdes . Foi alimentado até recusar pão com manteiga e optar apenas pelas mortadelas dos sanduíches.

Rua Dona Amélia, no bairro Santa Teresa, em Porto Alegre. A visão que eu, que não tenho dono, nem faço gracinhas, mas trabalho e recebo um salário para pagar um apartamento nesta rua, tenho todas as manhãs quando saio de casa.

As duas imagens acima parecem iguais, mas há um erro em uma delas. A foto de realidade bucólica foi editada e a verdadeira mesmo é essa aí de cima, que aparece sem cortes, como é a vida ao vivo sem edições jornalísticas. Todos os dias o menino está lá, deitado na cama de papelão. Igual ao cão, ele mais tarde levanta e vai bater o ponto no xis da esquina das Ruas Otávio Dutra e Beira-Rio. E como ele não tem dono nem emprego ou salário, não faz nenhuma gracinha, não é simpático ou charmoso, não senta não abana o rabo nem demonstra amor incondicional, viramos o rosto, negamos educadamente e fingimos que não é conosco. Portanto o erro não está na segunda imagem, mas na primeira, pois fingir que ele é invisível não acaba com o fato. Ele continua lá. Segundo a Fasc, a população de adultos na rua em Porto Alegre (ninguém é DE rua) soma hoje mais de três mil. Em São Paulo, onde tudo é mega inclusive a miserabilidade, são dezenas de milhares. A dos cães eu não sei. Um holocausto invisível, diante do qual poucos se levantam para repudiar. Mas cuja imagem teima em nos desafiar a orgulhosa civilidade.

Nenhum comentário: