quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

THaÍS RUssOmaNO e a ViSãO CaLeiDOsCÓpiCa Da ViDa



Thaís Russomano é gaúcha de Pelotas. PhD em Medicina aeroespacial , coordenou pesquisa de uma equipe brasileira do Laboratório de Microgravidade do Depto. de Engenharia da PUC/RS, que levou a NASA a instituir novas recomendações médicas para os participantes de vôos espaciais e parabólicos de treinamento de astronautas. Com base no estudo, a Agência espacial americana adicionou uma dieta pré-vôo e treinamento que não existiam antes. Veja o que Thaís Russomano publicou sobre os caleidoscópios de Elen de Oliveira no contexto da partida de uma querida amiga comum - a Trudel. O artigo no Diário Popular de Pelotas é datado de 22 de agosto de 2004.

A visão caleidoscópica da vida

A última vez que encontrei com Trudel ela me presenteou com um caleidoscópio. Sim, era este o seu nome: Trudel. Um nome singular para uma pessoa singular. Conheci-a tempos atrás, antes de começar a correr mundo. Mesmo com o revezar dos anos e com a distância geográfica que se interpôs entre nós, sempre guardei na memória a imagem desta senhora extrovertida, afetiva, ágil, rápida, detentora de uma enorme força de vida.

Quase duas décadas se passaram e, quando a reencontrei, ela pouco havia mudado. Seguia, praticamente, a mesma pessoa singular, extrovertida, afetiva, ágil, rápida e detentora de uma enorme força de vida. Eu, porém, tinha amargado muitas perdas, algumas derrotas e certas angústias, que me marcaram a alma e me vergaram o corpo.

Na última vez que encontrei com Trudel e que ganhei o caleidoscópio, falamos de amenidades. Nada comentamos sobre as marcas indeléveis da vida, sobre perdas, sobre derrotas, sobre angústias. Mas ela, com a sabedoria própria dos que já cruzaram sete décadas, percebeu meu olhar mais opaco. E logo veio com a solução. Sem dizer nada, presenteou-me com um caleidoscópio e com um texto, intitulado A visão caleidoscópica da vida.

"Na vida, as coisas nem sempre são o que parecem ser. Se olharmos por diferentes ângulos, poderemos enxergar algo novo", escreveu Elen de Oliveira. A filosofia básica é ver a realidade como um caleidoscópio. "Ao se girar as idéias na mente, vê-se o problema de uma forma distinta, como ocorre com a metamorfose das imagens." Para Elen, isto é o que se convencionou chamar de pensamento caleidoscópico, uma busca de novas perspectivas para um mesmo fato ou uma mesma emoção.

Quando me despedi de Trudel, não sabia que esta seria a última vez que a veria com vida. Parti com o meu caleidoscópio embaixo do braço, certa de que isto me ajudaria a enfrentar novos problemas, novas perdas, novas derrotas e novas angústias, que, sem dúvida, cruzariam por meu caminho. Pois, já havia aprendido, assim são os caminhos da vida... truncados!

Trudel partiu. Deixou para todos a imagem da pessoa singular que sempre foi. Deixou para todos a imagem de uma senhora extrovertida, afetiva, ágil, rápida, detentora de uma enorme força de vida. E deixou para mim o legado de se enfrentar a vida com uma visão caleidoscópica.

Enquanto todos a velavam, choravam sua partida, rememoravam situações, comentavam sobre os males do corpo que lhe fizeram cruzar a invisível linha entre a vida e a morte, fiquei pensando na última lição que Trudel me dera. Ainda lá, no cemitério, girei na minha mente pensamentos, emoções, idéias, buscando a forma ideal, a imagem mais perfeita, na tentativa de, naquele momento, atingir a visão caleidoscópica da vida. E da morte!

Por um instante, entendi melhor o ensinamento de Trudel. A última lição de vida que a senhora extrovertida, afetiva, ágil, rápida, detentora de uma enorme força de vida havia me legado no nosso último encontro. Último encontro? Será mesmo? Sorri por dentro. Não, não era isto que indicava a imagem formada no caleidoscópio de minha alma. Ah! Se todos, ali, que choravam e rezavam, pudessem ver o que eu via... Mas isto é somente para aqueles que sabem pensar caleidoscopicamente. Este legado de Trudel parecia ser só meu.

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